Part. I

1

Era dia da festa de Santo Antônio, eu e minhas irmãs nos arrumávamos para ir dançar no salão, vestidos rodados, lacinhos de fita e perfume, todo ano esperávamos ansiosas pela festa de Santo Antônio, era incrível, dançávamos pulávamos e brincávamos.
Agora estavamos moças, todas com pelo menos 15 anos e eu com 19, eu não tinha pressa e andava devagar, ninguém se importava com isso.
Chegando na festa fui logo dançar no meio da praça junto com o povo, era vez da dança coletiva, todo mundo com todo mundo, eu rodava rodava rodava e o mundo parecia caber nos meus pés, passava de braço em braço com minha cintura, meus olhos sempre se encontravam com os deles, até que um olhar diferente me puxou, me distanciou de todos os outros, aqueles olhinhos de criança, naquele rostinho cabisbaixo que me puxava e me jogava para o alto, aqueles olhos me fizeram rodar fora do ritmo e me tombaram, desgraçado, sujou todo meu vestido e ralou meu joelho, mas que inferno, ainda por cima se ofereceu para me ajudar me estendendo aquelas mãos de dedos finos e compridos, dei um belo de um tapa e me levantei, ora veja!
A festa acabou e eu não descobri o nome daquele peixe morto do diabo, veja só me olhando daquele jeito, mas eu queria saber quem era agora, só para efeito de curiosidade mesmo sabe, não era nada de especial só queria saber o nome do que fez meu mundo rodar em outro compasso e ralou meu joelho, falei com o padeiro, amigo dos meus pais que me conhece desde que eu era só um botão, descrevi aquele rapaz magro cabisbaixo e dedos finos, o padeiro me respondeu que se chamava Pierre e que morava a apenas duas quadras da minha casa, fora as suas piadinhas ridículas me disse que era um bom rapaz, mas isso nem importava até porque só queria saber o seu nome e nada além disso
Mas resolvi procurar por aquele pombo, na verdade não sabia o motivo de querer me encontrar com uma figura tão magricela, mas já que morava a duas quadras de minha casa não seria difícil trombar com ele em algum momento de passeio, talvez o visse na praça do diamante, ou no mercado, apesar de nunca ter o visto antes nesses lugares agora estaria atenta para retribuir o ralado no joelho.
Passaram-se três dias e até que enfim encontrei aqueles olhos distraídos e distantes, ele andava devagar olhando para os lados, como quem olha para um quadro, não no sentido de reparar cada detalhe como um turista, mas abstraindo o mundo para dentro de si a cada olhadela, parecia estar andando dentro da própria consciência, coitadinho, estava viajando na maionese, queria desperta-lo com um pisão no pé, mas meu decoro -e a distância- me impediram ao invés disso corri até ele e o despertei com um tapinha nas costas, pensei que ficaria surpreso como quem acorda de um sono profundo mas ao invés disso ele só me olhou com aquela cara de paspalho sem emoção, me apresentei e disse que ele tinha me tombado durante a festa, no mesmo instante ele me pediu milhares de desculpas e seu rosto se encheu de vergonha, tanta vergonha que fiquei até preocupada, ficou vermelho e suava pelas mãos, coitadinho, pedi que se acalmasse disse que não tinha sido nada grave, só um ralado no joelho, na verdade acho que ele não estava nervoso de preocupação mas de vergonha mesmo, convidei para sentar no banco da praça em que estávamos, relutou em aceitar, mas depois de viajar rapidamente em seus pensamentos, sentou comigo.

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